Mesmo com igual grau de instrução, 10% no topo ganham 50% mais que a metade mais pobre.
Douglas Gavras
SÃO PAULO
A elite econômica do país capturou até 65% dos ganhos que os
trabalhadores brasileiros tiveram com o aumento na
escolarização para o nível fundamental, 60% para o médio e
30% para o superior, nos últimos 40 anos.
No período, apesar dos avanços, o topo da pirâmide (os 10%
mais ricos) continuou ganhando até 50% mais que a metade
mais pobre, ainda que eles tenham o mesmo grau de instrução.
Os dados fazem parte de um estudo recente publicado pelos
pesquisadores Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo,
da Universidade de Zurique (Suíça) e Priscila Soares, da
Universidade de São Paulo. Os números se baseiam em uma
série histórica de 1980 a 2021, a partir de resultados do Censo
combinados com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios). Para os dados econômicos, a série vai até 2019.
Com esses dados, eles formularam um indicador chamado IIE
(Índice de Iniquidade Educacional), cujo objetivo é medir os
efeitos sobre o rendimento médio a partir do acesso à
educação e do pertencimento a diferentes grupos (econômicos,
racial e de gênero). A base é a população de 25 a 55 anos (ou
seja, que já teve chance de se qualificar e ingressar no
mercado de trabalho).
“Pelos resultados, podemos observar que, se duas pessoas
conseguem um diploma de ensino médio, ambas vão ter
recompensas pelo investimento de tempo e dedicação, mas
essa diferença é 50% maior se uma delas for da elite”, explica
Lichand.
Os dados, portanto, sugerem que os brasileiros de menor
renda ganham menos no mercado de trabalho até quando
conseguem estudar mais.
A discrepância também ocorre do ponto de vista racial. O
prêmio salarial por cada diploma é até 50% maior para brancos
e amarelos em relação a pretos, indígenas e pardos (pelos
critérios de classificação do IBGE). Essa distância cresceu ao
longo do tempo para os ensinos fundamental e médio.
Segundo o economista francês Thomas Piketty (autor de “O
Capital no Século 21″), o esgotamento dos ganhos
educacionais é uma das principais razões da decadência da
social-democracia e, por consequência, da ascensão da direita
no mundo, destaca Lichand.
“Nosso trabalho sugere que o ponto talvez seja mais profundo:
expandir o acesso à educação a grupos de fora da elite não
necessariamente vem acompanhado de maior acesso desses
grupos aos seus retornos. Ou seja, talvez não seja o
esgotamento da inclusão na educação, mas sim, o fracasso da
inclusão em compartilhar retornos.”